Apresentação
“No futuro, faremos download de nossas mentes”, diz Marilena Chauí
Publicado em 27.03.2014 10:00:39
Por Marcelo Hailer. Fotos: Fora do Eixo
Aconteceu nesta terça-feira (25), na Biblioteca Mario de Andrade, São Paulo, o seminário “Tecnologia e Poder”, que contou com a participação de pesquisadores das principais universidades do Brasil. O evento foi encerrado com a mesa “Tecnologia e poder nas sociedades informacionais: Para onde estamos indo?”, que teve como debatedores os professores Sergio Amadeu (UFABC), Langdon Winner (Rensselaer Polytechinic Institute – New York) e Marilena Chaui (USP). A mesa teve mediação do editor da Fórum, Renato Rovai.
Sergio Amadeu abriu os trabalhos abordando a questão das “tecnologias de modulação, economia da intrusão e relações de poder”. De acordo com ele, hoje não vivemos mais na sociedade industrial. “Estamos numa fase de transição à sociedade informacional, que gira em torno das tecnologias cibernéticas, que são tecnologias de controle”, explicou Amadeu.
Um dos grandes problemas na expansão das redes comunicacionais é o fato de que “você tem dificuldade de ser visto, ser atingido. A internet derrubou as barreiras do falar, o difícil não é falar, é ser ouvido. E aqui a economia da atenção ganha relevância”, analisa Amadeu, a respeito dos novos tipos de relações e economias na era das redes.
Ele também dissertou a respeito de como o capitalismo assimilou as relações nas redes sociais ao “trabalhar cada vez mais com a formação dos desejos”, predominando, dentro desta lógica, dois tipos de microeconomia: a da atenção e da intrusão. “As tecnologias da cibernética são a base da sociedade do controle, que recai na macroeconomia da atenção”, avalia. “Tecnologias que nos divertem, que facilitam; a liberdade e comunicabilidade dependem cada vez mais do seu celular. Mas isso não fica apenas nessas tecnologias. Estamos moldando as nossas vidas em torno de tecnologias cibernéticas”, disse Amadeu.
Posteriormente, Amadeu explicou que as técnicas de intrusão e atenção não são apenas uma onda. “Pra tudo isso funcionar é necessário a microeconomia da atenção e da intrusão. Isso não vai parar num futuro próximo, é uma tendência”, aponta o professor. Para dar uma dimensão de como atuam as tecnologias de controle, ele utilizou um exemplo que, à primeira vista, pode parecer banal, mas explica esse processo. “As tecnologias que usamos são de controle. A geladeira nos anos 1990 não era conectada, não gerava informação. Logo, a geladeira vai estar conectada com o seu celular, dispositivos vão avisar que a cerveja acabou, que o compartimento de verduras está vazio e, na sequência, vai lhe oferecer tais produtos”, previu.
Amadeu também elaborou um esquema para demonstrar a quantidade de dispositivos de controle que estarão interligados para que a geladeira informacional funcione. “O celular vibra e somos informados que a geladeira está vazia e os produtos são oferecidos e pagamos num sistema de crédito. Empresa da geladeira, mais empresa que fabricou o aplicativo, mais empresa que vende os produtos, mais a empresa de créditos e, por fim, a empresa que permite o sistema que interliga todos estes dispositivos. Será que vamos viver melhor?”. Ele mesmo respondeu a questão dizendo que não, pois tratam-se de tecnologias que não “vão liberar o nosso tempo e nossa mobilidade, pois são tecnologias de controle”.
Por fim, o professor apresentou caminhos que podem levar a economia do controle ao colapso. “Se as pessoas utilizarem navegação anônima e criptografada vão colocar em risco a economia informacional. Isso dificulta a biopolítica da modulação praticada pelas corporações. É necessário que os cidadãos aprendam a usar a criptografia; se a lei não funcionar, use a criptografia”, finalizou Sergio Amadeu.
“O sonho americano já era”
Posteriormente à fala do professor Amadeu, foi a vez do professor Langdon Winner, da Rensselaer Polytechinic Institute (New York), que desenvolveu a sua fala a partir da tríade política, poder e tecnologia. Winner declarou que hoje em dia o Congresso norte-americano não aprova mais leis e não produz mais nada de positivo ao povo, sendo o grande exemplo disso o fato de, desde o terceiro ano do primeiro mandato de Obama, ele “não produzir mais nada a não ser belos discursos”.
“No momento, o Congresso não aprova nada de positivo para o povo. De acordo com as pesquisas politicas, isso é um problema, o Congresso hoje tem uma taxa de aprovação de 5%. O líder da Casa anunciou que não está interessado em aprovar leis, por isso, em minhas aulas, explico como a lei é criada, e não aprovada. O que era para ser chamado de Legislativo, deve ser chamado de ‘obstrutivo’. Ou seja, temos o Executivo, o Obstrutivo e o Monárquico”, explicou Winner.
O professor de Nova York fez um panorama da situação econômica e trabalhista atual dos Estados Unidos. “Houve uma grande mudança na distribuição da riqueza. Os salários dos mais pobres foram achatados, é só vermos o salário dos CEOs e dos trabalhadores. Hoje, eles (CEOs) ganham 206 vezes a mais que o trabalhador comum. A desigualdade nos EUA é pior do que no Paquistão e na Costa do Marfim”, denunciou Langdon Winner.
Após descrever a situação precária do emprego, Winner foi enfático ao dizer que o “sonho americano já era”. “Não há mobilidade econômica para cima. Os sonhos acabaram: educação pública foi cortada, a universidade é apenas para os ricos, pensões para aposentados acabaram… O que aconteceu com o sonho americano, pessoal? A razão pela qual chamam de sonho é por que você deve estar dormindo”, ironizou.
Para Langdon as novas tecnologias estão diretamente ligadas a precarização da vida. “O que aconteceria com a tecnologia? Ninguém imaginava que ela fosse afetar a vida pessoal. Alguns pensavam que políticas industriais poderiam organizar isso, trabalhando com sindicatos e governos. A tecnologia de computador não é de classe neutra, é essencialmente capitalista, ela erodiu a classe trabalhadora. Será que todas as formas de atividades de produção podem ser colocadas de forma rápida e quase sem presença humana?”, questionou Langdon Winner.
Em tom apocalíptico, Langdon prevê que num “futuro próximo milhares de pessoas ficarão desempregadas por conta da criação de uma nova inteligência, inclusive muitos de vocês que estão estudando para entrar em uma profissão”. Por fim, Winner disse acreditar nas políticas de resistência como maneira de evitar o futuro pessimista que traçou em sua fala.
“Download de nossas mentes”
A filósofa e professora Marilena Chauí ficou com a missão de encerrar a mesa e o seminário. Ele iniciou sua fala alertando que a “discussão das novas tecnologias tem priorizado as comunicações e não as instituições”. “Hoje vemos a diferença dos objetos tecnológicos, eles ajudam na capacidade humana. Durante a primeira e a segunda Revolução Industrial o corpo se estendeu num espaço. Maquinas a vapor, rádio e TV. Agora é o nosso cérebro, sistema nervoso que se estende até abolir a experiência do espaço do tempo. Vivemos a destruição do espaço e do tempo pelas novas tecnologias”, refletiu.
A professora também entende que os sinais atuais nos mostram um novo desenho do ser humano. “Os sinais são os portadores da diferença. Estamos a caminho de redesenhar a forma humana. Uma síntese de carbono e silício, mescla de terminais nervosos e semicondutores. No futuro seremos ciborgues, híbridos… No futuro faremos download de nossas mentes”, prevê Chaui.
Por fim, Marilena Chauí retomou o assunto das manifestações de junho de 2013, em São Paulo. Para ela, apesar de toda a celebração em torno dos atos, também existe um caráter conservador e de espetáculo nas jornadas de luta do ano passado. “Na partida, era a redução das tarifas; na chegada, era a política, no entanto, essas manifestações não criticaram as instituições, aderiram à pauta da mídia conservadora de que os partidos políticos são corruptos por excelência. Ao invés de propor uma nova democracia, aderiram à ideia do ‘sem intermediário’, ou seja, ditadura”, criticou a professora.
Ao contrário do que muitos colocam, Chauí entende que as redes, em boa parte, funcionam como os meios tradicionais de comunicação. “A convocação foi feita pela rede e muitos celebraram por que derruba o monopólio dos meios. Mas quero colocar quatro pontos: 1) Comunicação é indiferenciada; 2) Tem forma de evento, sem referencial com o passado e o futuro – recusou o sócio-temporal pra se tornar espetáculo de massa; 3) Assume a dimensão mágica. Os usuários apenas usam a rede, não têm controle. A magia é instrumento da sociedade de consumo: satisfação imediata do desejo; 4) Aparência de espetáculo de massa. Fizemos supor que o universo é homogêneo. Ou seja, a rede tem uma aparência de ampliação da democracia, mas no fundo, a internet é uma nebulosa… Frequentemente fechada e secreta”, finalizou Marilena Chauí.
Fonte: Revista Fórum