Apresentação

JORNADAS DE TRABALHO E ESTRESSE OCUPACIONAL
Publicado em 14.08.2014 10:15:00

Uma breve abordagem da relação entre jornada de trabalho e produção dos hormônios do estresse

 Por Tânia Maria de Araújo – Departamento de Saúde do Sinpro- BA

Nas sociedades modernas, a avaliação de fatores capazes de produzir estresse é tema de grande interesse. Inúmeros são os textos que discutem o problema e, independente dos aspectos enfocados, o trabalho profissional é sempre citado como fonte potencial de estresse.

Os chamados hormônios do estresse são produzidos quando o indivíduo é solicitado a atender as demandas ambientais, entre as quais estão incluídas as demandas vindas do trabalho. Com base no tipo de demanda e nos recursos necessários à sua realização, o indivíduo confronta a importância e severidade da solicitação e a sua capacidade de produzir resposta adequada ao seu atendimento. Esses hormônios, portanto, tornam o corpo apto para “lutar ou fugir”, facilitando o ajustamento físico e mental do indivíduo para responder às demandas ambientais. Durante a jornada de trabalho, a produção dos hormônios do estresse é elevada, preparando o corpo para responder às demandas laborais.

Um grupo de pesquisadores suecos, liderados por Gardell (1982) e Mariane Frankenhauser (1971; 1991), observaram, em estudos laboratoriais, o envolvimento de dois sistemas neuroendócrinos na resposta ao estresse: o sistema medular adrenal e o sistema cortical adrenal, ambos controlados pelo sistema nervoso central. O córtex adrenal secreta cortisol enquanto a medula adrenal secreta adrenalina. Essa última é ativada para responder a um estressor, ou seja, é produzida quando existem demandas externas às quais o indivíduo deve responder. A produção de adrenalina, quando associada ao retorno rápido dos níveis basais do organismo, pode ser evidência de um padrão ativo de comportamento e é perfeitamente saudável. Por outro lado, quando o retorno aos níveis de base do organismo é lento, mantendo continuamente elevada a produção de adreanalina, ocorre elevação crônica nos níveis dessa catecolamina, o que, por sua vez, poderá resultar em patologias.

A produção do cortisol é desencadeada em situações de preocupação e depressão como reação à alta exigência psicológica do trabalho ou em situações novas, desconhecidas, não familiares. Em algumas circunstâncias, a produção de cortisol pode ser considerada saudável, como em processos desejáveis de enfrentamento e mudanças nas exigências do trabalho, mesmo implicando períodos de sofrimento. Contudo, níveis elevados de cortisol, durante longos períodos de tempo, podem produzir vários tipos de riscos à saúde (Karasek &Theorell, 1990; Karasek, 2008).

Quando as demandas são experimentadas como estímulo, mais do que uma carga, o equilíbrio entre os chamados hormônios do estresse muda: a produção de adrenalina é tipicamente alta, enquanto a produção de cortisol é baixa. Nessas condições, portanto, o custo de realização das tarefas, para o corpo, é menor do que quando o trabalho é realizado sob condições demandantes e pouco estimulantes (Gardell, 1982).

Quanto menor o tempo em que os hormônios do estresse se mantêm elevados, com rápido retorno aos níveis basais do organismo, menor é o prejuízo para a saúde. O tempo necessário à redução desses hormônios, levando o corpo a um estado de acalmia (relaxamento), depende do tipo da tarefa executada no trabalho, das características pessoais dos indivíduos e do período em que esses hormônios permaneceram elevados. Conseqüentemente, a manutenção de múltiplos empregos, o prolongamento da jornada de trabalho com atividades extralaborais e, especialmente, a manutenção de longos períodos de trabalho associados a curtos períodos de descanso estabelecem uma tendência permanente de elevação da produção dos hormônios do estresse e, portanto, o tempo necessário para a acalmia também aumenta.

Desse modo, o tempo gasto em tarefas e o volume de demandas a serem atendidas não só prolongam a exposição a níveis elevados de estresse como aumentam o tempo necessário de retorno aos níveis basais o que, por sua vez, pode representar inúmeros danos à saúde.

A sensação de cansaço permanente mesmo após períodos de repouso é um indicativo de desequilíbrio entre o período em que esses hormônios se mantiveram elevados e o tempo disponibilizado para o relaxamento. Inúmeros são os efeitos negativos que a manutenção desse desequilíbrio pode acarretar. Dentre os mais citados destacam-se as doenças cardiovasculares, transtornos do sono, transtorno mentais, distúrbios psiquicoemocionais, irritabilidade, nervosismo, problemas intestinais e estomacais.

Como se pode observar, há uma base fisiológica já razoalmente identificada e reconhecida sobre a necessidade de descanso e relaxamento após longos períodos de esforços físicos e mentais para atender as exigências ambientais. Dessa forma, longos períodos ou períodos desgastantes de trabalho exigem também tempo suficientemente adequado para o retorno da produção dos hormônios aos níveis basais, para que, no processo de nova ativação na produção desses hormônios se possa garantir sempre níveis de desempenho satisfatório.

Portanto, até mesmo para se garantir a produtividade em patamares elevados e bem qualificados, é fundamental o equilíbrio entre a produção de hormônios e o estado de acalmia. Em outras palavras se pode dizer que, para garantir bom desempenho no trabalho é necessário se garantir também as condições de recomposição das energias, tempo suficiente para o relaxamento e o descanso, no qual o corpo e a mente possam encontrar um ponto de equilíbrio e possibilidades de obtenção de prazer e satisfação.

Desse modo, se, além do tempo de trabalho, realizado nos locais de trabalho (no caso do professor, a escola), se adiciona uma nova jornada laboral fora da escola (incluindo novas tarefas ou tarefas cujo tempo na escola não foi suficiente para concluir ou porque não era realmente previsto ser realizada no tempo pago de atividade na escola), o tempo de relaxamento, repouso ou descanso ficam comprometidos, enquanto se eleva o tempo de produção dos hormônios do estresse para manter as atividades e garantir o alcance das metas estabelecidas. As consequências para a saúde física e mental, certamente, serão significativas, com impactos negativos presentes ou futuros. Todos esses elementos repercutem na qualidade de vida no trabalho e em outras dimensões sociais como a família, os amigos, e individuais como a sexualidade, a imagem de si mesmo, sentimentos de satisfação ou de inadequação (Araújo e carvalho, 2009).

Portanto, por tudo isto, devemos sempre estar atentos aos aspectos relativos ao excesso de trabalho, ao aumento constante das demandas a serem atendidas, estabelecendo sempre limites coletivos e individuais para não extrapolar os limites inclusive fisiológicos de nosso funcionamento corporal, como descrito acima. Os limites coletivos podem ser estabelecidos pela luta por condições mais dignas de trabalho e envolvem processos de articulação em torno de objetivos comuns, partilhados pelo grupo e tem como foro privilegiado a luta sindical. Os limites individuais são estabelecidos pelo exercício cotidiano de atenção e análise das próprias capacidades e limitações, tendo como foco o bem-estar, envolvendo um olhar atento sobre si mesmo. A integração das reflexões e ações sobre os limites individuais e coletivos é que poderá estipular metas e objetivos capazes de promover um equilíbrio entre as demandas ambientais a que todos temos que atender e as condições adequadas e possíveis para atend6e-las. O mais importante é garantir que a saúde e a vida sejam preservadas e promovidas nesse processo.

 

Referências

ARAÚJO, T.M. de; CARVALHO, F.M. Condições de trabalho docente e saúde na Bahia: estudos epidemiológicos. Educação & Sociedade, São Paulo, v. 30, p. 427-449, 2009.

FRANKENHAUESER, M. Experimental approaches to the study of human behavior as related to neuroendocrine functions. In: LEVI, L. Stress and Disease, vol. 1, Oxford: Oxford Univesity Press, 1971.

______________________. A biopsychosocial approach to work life issues. In: JOHNSON J.V. & JOHANSSON, G.(orgs.). The psychosocial work environment work organization, democratization and health – essays in memory of Bertil Gardell. Baywood Publishing Company, cap. 3, pp: 49-60, 1991.

GARDELL, B. Scandinavian research on stress and working life. International Journal of Health Services, 12 (1): 31-41, 1982.

KARASEK, RA, THEÖRELL, T. Healthy work-stress, productivity, and the reconstruction of working life. Basic Books, 381p., 1990