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Na luta contra a morte de jovens negros, Zumbi é a nossa inspiração!
Publicado em 21.11.2014 13:39:18

Ao celebrarmos mais um 20 de Novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, ouvimos um soluçar de dor, um canto de revolta pelos ares, certamente entoado por mães que perdem seus filhos negros, no cotidiano de violência das grandes cidades brasileiras. Os dados do Mapa da Violência de 2014 nos exibe uma dura realidade de sangue. A violência tem sido a principal causa mortis de jovens no país, e ela tem como alvo preferencial a juventude negra.

Por Olívia Santana*

Para cada grupo de 100 mil temos uma taxa de mortalidade de 13,9 para jovens brancos e espantosos 72,6 para jovens negros. Sem dúvida as condições de vulnerabilidade social põem em risco a vida de milhões de meninos negros que habitam os guetos do Brasil, que os tornam vítimas da brutalidade do tráfico, dos grupos de extermínio e, lamentavelmente, das forças policiais de Estado. São mais que estatísticas. Os números mascaram histórias de vida e suas rotas alteradas. Os grandes centros urbanos têm se transformado em arenas onde a tragédia da morte de jovens de 15 a 29 anos deixa como herança o drama familiar e a perda prematura de potencial humano para a nação.

Em 2013 o Brasil gastou 258 bilhões de reais em segurança, o equivalente a 5,4% do PIB, mas é um recurso que se esvai em um modelo fracassado de segurança pública. Causa indignação saber que em 5 anos a polícia brasileira matou mais que a dos EUA em 30 anos. Está em marcha uma cultura de morte, banalizada e espetacularizada por uma parcela importante dos meios de comunicação, que descobriu nisso um público que tem fascínio pela catástrofe e com ele têm alimentado suas contas comerciais.

É inconcebível o tanto de situações de desaparecimento de jovens, após serem levados em viaturas policiais. Na Bahia, após o chocante caso Geovanne Mascarenhas, estamos às voltas com o desaparecimento de Davi, um menino negro de 16 anos, que nunca mais foi visto, após ter sido levado em uma viatura policial, em Vila Verde, periferia de Salvador. Diante desse quadro, medidas urgentes precisam ser tomadas pela garantia de um aparato de segurança pública capaz de respeitar a cidadania de todos, agir com inteligência, eficiência e, sobretudo, com justiça, comprometida com a cultura da vida e com a convicção de que nenhuma lei instituiu pena de morte no Brasil.

É urgente, portanto, a aprovação do PL 4471/2012 que acaba com os autos de resistência, que têm sido usados como escudo para não se apurar a morte de vítimas da violência policial, especialmente quando essas são pobres, pretos, sem sobrenomes. A presidenta Dilma tem se mostrado comprometida com essa demanda. Em pronunciamento no ato político em que o movimento negro formalizou apoio à sua reeleição, em Nova Lima, Dilma fez um importante pronunciamento pelo fim dos autos de resistência e reafirmou essa posição numa coletiva de imprensa. Nesta mesma linha ganha cada vez mais corpo nas redes sociais, e em todo debate sério sobre segurança, a necessidade de mudança do artigo 144 da Constituição para promover a desmilitarização da polícia. As forças armadas são fundamentais para a defesa do país, mas a polícia que vai às ruas defender o cidadão, não pode usar práticas letais e torturas como num suposto vale tudo de guerra.

Um outro desafio é ter foco em programas vocacionados a apoiar o jovem, que dialoguem com suas perspectivas de vida. Os avanços proporcionados pelas cotas para negros nas universidades e no serviço público, o Prouni, o Pronatec e o Juventude Viva, são um caminho a ser alargado com outras ações estruturais. A reforma da educação básica e a reforma urbana são indispensáveis à humanização das cidades e à elevação da qualidade de vida dos jovens e de todas as pessoas. O Plano Nacional de Educação é uma esperança, uma promessa de dias melhores para a nossa escola pública, seus alunos, majoritariamente pretos, e educadores. Obras urbanas de infraestrutura, de mobilidade, construções de ginásios, quadras de esporte, ciclovias, ambientes de lazer, entre outras, distensionam o ambiente social e promovem bem-estar, especialmente à juventude que explode vitalidade. Há que se cuidar do broto, para que os rebentos não virem guris no mato de papo pro ar, sem se saber se está rindo ou se está morto, como na canção que se inspira na crua realidade dos sem vozes. Urge quebrar a sina da carne mais barata do mercado e garantir a vida da juventude negra. O princípio da vida uma vez afirmado, suplanta o signo da morte anunciada como destino para milhares de pretos e pobres.

O inconformismo e a audácia do jovem Zumbi dos Palmares haverá de existir sempre em nós. A consciência política é o tambor que nos anima a ganhar as ruas e gritar pelo fim do extermínio de jovens negros, quebrando a indiferença do olhar, para que um dia o canto de dor não embace o canto de alegria, que precisa ser pleno, sem amarras de alienação. Comemorar o Dia Nacional da Consciência Negra me remete a letra de Waly Salomão: a felicidade do negro é uma felicidade guerreira.

*É Secretária Nacional do PCdoB de Combate ao Racismo

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