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Consciência Negra: o que é e como usar?
Publicado em 23.11.2012 12:27:52

Por Nei Lopes – Consciência Negra somos nós, em nossa real dimensão de seres humanos, sabendo o que somos, de onde viemos e para onde vamos. Consciência Negra não é racismo ou complexo de inferioridade e,  sim, um anseio legítimo de expansão e crescimento. Não é separatismo,  segregacionismo, ressentimento, ódio ou desprezo pelos outros grupos que  constituem a Nação brasileira. Quando te disserem que você quer dividir o Brasil em “pretos” e  “brancos”, mostre que essa divisão sempre existiu. Se insistirem na  acusação, mostre que, neste país, 121 anos após a Abolição, em todas as  instâncias, o Poder é sempre branco. E que até mesmo como técnicos de  futebol ou carnavalescos de escolas de samba, os negros só aparecem como  exceção.

Quando, ainda batendo nessa tecla, te disserem que o Brasil é um país  mestiço, concorde. Mas ressalve que essa mestiçagem só ocorre, com  naturalidade, na base da pirâmide social, e nunca nas altas esferas do  Poder. E que o argumento da “mestiçagem brasileira” tem legitimado a  expropriação de muitas das criações do povo negro, do samba ao  candomblé.

Quando te jogarem na cara a afirmação de que a África também teve  escravidão, ensine a eles a diferença entre “servidão” e “cativeiro”.  Mostre que a escravidão tradicional africana tinha as mesmas  características da instituição em outras partes do mundo, principalmente  numa época em que essa era a forma usual de exploração da força de  trabalho. Lembre que, no escravismo tradicional africano, que separava  os mais poderosos dos que nasciam sem poder, o bom escravo podia casar  na família do seu senhor, e até tornar-se herdeiro.

E assim, se, por exemplo, no século XVII, Zumbi dos Palmares teve  escravos, como parece certo, foi exatamente dentro desse contexto  histórico e social. Diga, mais, a eles que, na África, foram primeiro  levantinos e, depois, europeus que transformaram a escravidão em um  negócio de altas proporções. Chegando, os europeus, ao ponto de  fomentarem guerras para, com isso, fazerem mais cativos e lucrarem com a  venda de armas e seres humanos.

Diga, ainda, na cara deles que, embora africanos também tenham  vendido africanos como escravos, a África não ganhou nada com o  escravismo, muito pelo contrário. Mas a Europa, esta sim, deu o seu  grande salto, assumindo o protagonismo mundial, graças ao capital que  acumulou com a escravidão africana. Da mesma que forma que a Ásia Menor,  com o tráfico pelo Oceano Índico, desde tempos remotos.

Quando te enervarem dizendo que “movimento negro” é imitação de  americano, esclareça que já em 1833, no Rio, o negro Francisco de Paula  Brito (cujo bicentenário estamos comemorando) liderava a publicação de  um jornal chamado O Homem de Cor, veiculando, mesmo com as limitações de  sua época, reivindicações do povo negro. Que daí, em diante, a  mobilização dos negros em busca de seus direitos, nunca deixou de  existir. E isto, na publicação de jornais e revistas, na criação de  clubes e associações, nas irmandades católicas, nas casas de candomblé…  Etc.etc.etc.

Aí, pergunte a eles se já ouviram falar no clube Floresta Aurora,  fundado em 1872 em Porto Alegre e ativo até hoje; se têm ideia do que  foi a Frente Negra Brasileira, a partir de 1931, e o Teatro Experimental  do Negro, de 1944. Mostre a eles que movimento negro não é um modismo  brasileiro. Que a insatisfação contra a exclusão é geral. Desde a  fundação do “Partido Independiente de Color”, em Cuba, 1908, passando  pelo movimento “Nuestra Tercera Raíz” dos afro-mexicanos, em 1991; pela  eleição do afro-venezuelano Aristúbolo Isturiz como prefeito de Caracas,  em 1993; pelo esforço de se incluírem conteúdos afro-originados no  currículo escolar oficial colombiano no final dos 1990; e chegando à  atual mobilização dos afrodescendentes nas províncias argentinas de  Corrientes, Entre Rios e Missiones, para só ficar nesses exemplos.

Quando, de dedo em riste, te jogarem na cara que os negros do Brasil  não são africanos e, sim, brasileiros; e que muitos brasileiros pretos  (como a atleta Fulana de Tal, a atriz Beltrana, e o sambista Sicraninho  da Escola Tal) têm em seu DNA mais genes europeus do que africanos,  concorde. Mas diga a eles que a Biologia não é uma ciência humana; e,  assim, ela não explica o porquê de os afro-brasileiros notórios serem  quase que invariavelmente, e apenas, profissionais da área esportiva e  do entretenimento. E depois lembre que a Constituição Brasileira protege  os bens imateriais portadores de referência à identidade, à ação e à  memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira e suas  respectivas formas de expressão. E que a Consciência Negra é um desses  bens intangíveis.

Consciência Negra – repita bem alto pra eles, parafraseando Leopold  Senghor – não é racismo ou complexo de inferioridade e, sim, um anseio  legítimo de expansão e crescimento. Não é separatismo, segregacionismo,  ressentimento, ódio ou desprezo pelos outros grupos que constituem a  Nação brasileira.

Consciência Negra somos nós, em nossa real dimensão de seres humanos,  sabendo claramente o que somos, de onde viemos e para onde vamos,  interagindo, de igual pra igual, com todos os outros seres humanos, em  busca de um futuro de força, paz, estabilidade e desenvolvimento.

 

Fonte: Áfricas