Apresentação
Currículo: Para fazer sentido
Publicado em 23.11.2012 14:04:53
A renovação dos currículos do ensino médio, com maior interdisciplinaridade e aplicação prática dos conhecimentos estudados, pode ser o empurrão de que os jovens precisam para voltar a enxergar a escola como algo útil e conectado à sua vida. É nisso que apostam o Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI) e as novas diretrizes curriculares da etapa, para diminuir os altos índices de evasão e reprovação.
O Ministério da Educação criou em 2009 o ProEMI, que oferece apoio técnico e financeiro a redes estaduais e a suas escolas em projetos de reestruturação curricular. Para participar, as unidades precisam apresentar propostas de inovação que articulem as dimensões do trabalho, da ciência, da cultura e da tecnologia. “Na medida em que as experiências dialogam com projetos efetivos de conhecimento, incorporando novas mídias e culturas, os jovens passam a ter mais gosto pela escola e ver mais sentido na experiência escolar”, diz Jaqueline Moll, diretora de Currículos e Educação Integral do MEC.
A iniciativa começou tímida, e ainda não atingiu grande escala: hoje há aproximadamente duas mil escolas participantes – número que o MEC projeta aumentar para cinco mil no próximo ano e 10 mil em 2014. “São muito poucas as unidades envolvidas se considerarmos o conjunto da rede escolar do ensino médio. Creio que o impacto dessas propostas pode ser sentido localmente, mas terá muito pouco efeito na Educação Básica como um todo”, diz Alice Casimiro Lopes, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro da (Uerj).
Por ser relativamente recente, é difícil ainda medir resultados concretos. Mas a partir de relatos de escolas, Jaqueline observa que a tendência no curto prazo é diminuir a evasão e a reprovação. Tais Tavares, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), ressalta, no entanto, que resultados mais definitivos ainda não podem ser avaliados: “temos no máximo três anos de experiências, isso não tem reflexos”, afirma. Nora
Krawczyk, professora da Faculdade de Educação da Unicamp, acrescenta um complicador: é difícil avaliar os impactos do ProEMI, porque o programa dá abertura para cada escola criar seu projeto. Como não há um padrão, essa medida não é totalmente mensurável. “Não se pode avaliá-lo sem conhecer quais são as propostas curriculares, isto é, o que os jovens fazem na escola”, diz.
Chancela importante Para o Centro Educacional São Francisco, no Distrito Federal, poder contar com o apoio do ProEMI foi decisivo para tornar a escola uma referência local. Situada na periferia de Brasília, a escola foi criada em 2008 com a proposta de oferecer ensino integral baseado em atividades culturais e esportivas, como circo, dança, teatro, mediação de conflitos e grupos de estudo. Os estudantes também podem elaborar e executar, de acordo com seu interesse e com a orientação de um professor, projetos de pesquisa.
Contudo, a escola, que mantém uma média de 14% de reprovação em suas 21 turmas de ensino médio nos três turnos, não encontrou o apoio necessário da rede para colocar seu projeto político-pedagógico em prática, e por isso passava por dificuldades financeiras para manter sua proposta. “A Secretaria quer a mudança e exige que as escolas tenham essa iniciativa e criatividade para melhorar os processos, mas não existe uma política de governo para de fato dar suporte a uma proposta inovadora”, desabafa Ghisa Pôrto, supervisora pedagógica do colégio. Segundo ela, participar do ProEMI trouxe o respaldo necessário para a defesa das ideias de modificações curriculares implantadas na escola, que conseguiu não apenas provar que seu projeto era válido, como obter a chancela do MEC e, junto com isso, os recursos necessários para manter a proposta.
Diretrizes Outra possibilidade é tomar como base as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, publicadas em 31 de janeiro no Diário Oficial da União, para reelaborar o projeto pedagógico, os conteúdos e as disciplinas trabalhadas na escola, tirando-a de sua zona de conforto. O documento define quatro grandes eixos integradores entre os conhecimentos – ciência, tecnologia, cultura e trabalho -, mas mantém a divisão entre as disciplinas tradicionais. Tais Tavares acredita que as diretrizes anteriores estavam muito distantes da realidade da sala de aula e “caíram no vazio”. Por isso é importante que o novo documento dialogue com a escola, para não ficar em um plano ideal e inatingível que pouco faz para melhorar a qualidade de ensino. “Não há um impacto direto. Da diretriz até a sala de aula há tantas mediações que o efeito já chega à escola suavizado. Aquilo que o professor conhece e o livro didático que ele tem é o que orienta o trabalho, não as diretrizes.”
Já Alice, da Uerj, não acredita que as novas diretrizes trarão impacto para a sala de aula. Para ela, os conteúdos escolares já consagrados continuam fortes no documento, que ainda valoriza muito os resultados em avaliações centralizadas como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que, entre outras funções, será utilizado para a avaliação da área e definição de políticas públicas. “Isso, sem considerar que a escola é um espaço que precisa fazer sentido culturalmente para os alunos nela envolvidos.”
O MEC, por sua vez, está otimista. Para Jaqueline, a partir das boas práticas apresentadas no seminário sobre a educação integral no ensino médio, realizado no final do semestre, é possível concluir que existe um movimento silencioso acontecendo em muitas escolas para construir um projeto que faça sentido para esses estudantes. “É um movimento que não temos conseguido captar e pode parecer perdido, mas há um esforço muito grande de sistemas de ensino e escolas nessa direção. Não se trata de fazer um currículo único, mas de definir bases e avançar para projetos que garantam a aprendizagem, o desenvolvimento e a construção da cidadania.”
Revista Escola Pública